terça-feira, 7 de julho de 2009

VIDA A BORDO 09

Em 2005, estávamos em Salvador e resolvemos, mais uma vez, participar da regata Recife/Fernando de Noronha. Não tinha muitos preparativos a fazer, por que como morávamos a bordo há bastante tempo, a manutenção do barco vai ficando sempre em dia. Esse é um detalhe interessante, a manutenção, pelo menos no nosso caso, ficou muito menor e mais barata morando a bordo do que com o barco parado no clube. Tivemos apenas de renovar alguns fogos de sinalização e adquirir uma ancora, nossa segunda ancora estava muito estragada pela ferrugem. No mais, foi reabastecer a despensa e seguir viagem.
Fizemos a inscrição no raly náutico, organizado pelo Centro Náutico da Bahia. Iniciativa para apoiar os vários barcos que vão a REFENO. O Raly largou dia 9 de setembro, a bordo do Avoante somente eu e Lucia.
Foi uma viagem difícil, em que tivemos vários ensinamentos e muito desconforto. Optei por uma rota mais próxima a costa, e isso dificultou muito navegação. A costa entre Salvador e Maceió entra muito para oeste, as plataformas de petróleo na costa sergipana e os efeitos do Rio São Francisco, representa uma dificuldade a mais. Além desses dois fatores, pegamos ainda nove Pirajás, entre Aracajú e Maceió e mais dois entre Maceió e Recife.
Pirajá é uma nuvem negra isolada que vindo na mesma direção do vento traz muita chuva e rajadas de vento de efeito leve a moderado. O Pirajá dura entre 10 a 20 minutos. A evolução do Pirajá tem de ser acompanhado com muita atenção pelo navegador que utiliza barcos à vela em seus cruzeiros. Apesar do vento e da chuva, o Pirajá não altera muito as condições de mar, mas cria grande preocupação pela força do vento.
A primeira providencia do velejador diante do Pirajá é reduzir as velas, que na linguagem náutica quer dizer rizar velas, para não ser surpreendido com velas rasgadas ou mesmo, em casos extremos, de queda do mastro. O que seria uma avaria muito grave, pondo em risco a embarcação e seus tripulantes.
O Avoante não tem enrolador de genoa, que é um mecanismo que facilita muito a vida do velejador, principalmente o de cruzeiro. Sua função é diminuir ou mesmo enrolar a vela genoa, vela da proa da embarcação, através de cabos sem a necessidade de se deslocar até a proa para baixá-la. Sem esse equipamento o trabalho no Avoante fica mais complicado em situações de muito vento ou mar mexido, por isso, temos de prever com muita antecedência as condições de tempo para não sermos surpreendidos. Como tivemos uma seqüência muito grande de pirajás, nosso esforço nessa viagem foi desgastante. À noite arriávamos a vela genoa e seguíamos, até o amanhecer, somente com a vela grande, menos velocidade, mas em compensação, mais segurança e menos preocupação.
Durante a noite, como tomávamos muita chuva e com certo esgotamento físico, o frio era muito grande, mesmo com roupas de tempo apropriadas sofremos um bocado.
Chegamos a Maceió depois de 4 dias de velejada. Nossa intenção era descansar dois ou três dias e seguir viagem para Recife. Mas, o mar parece que enfeitiça a gente e logo esquecemos as agruras que passamos. Basta um porto tranqüilo para esquecer tudo e querer voltar para ele.
Ancoramos em Maceió em frente à Federação de Vela e Motor, um lugar super abrigado e muito tranqüilo. Pela manhã fomos a terra com a ajuda do Bira. Bira é uma figura muita conhecida pelos velejadores que passam por Maceió, com sua canoa ele nos leva em terra e ajuda no abastecimento e outras coisas. Não é preciso colocar o barco inflável na água é só gritar pelo Bira e ele chega.
Resolvemos levantar ancora depois do almoço, saímos com tempo bom e mar liso. À noite tivemos a companhia de uma lua cheia muito bonita. Por volta de meia-noite mudou tudo, entrou um Pirajá e lá se foi tranqüilidade. À uma hora da madrugada outro Pirajá, dessa vez com muita chuva, que se estendeu até 5 da manhã, e muito frio. O sol surgiu trazendo um mar de ondas desencontradas e muito vento. Arriamos a genoa, ainda à noite, e mesmo assim o barco andava muito rápido. Fizemos de Maceió a Recife em 23 horas, um tempo muito bom devido às condições climáticas.
Nessa velejada tivemos muitas lições: a mais importante é que nada é impossível. Dificuldade não é empecilho para nada. Muitas vezes deixamos de velejar porque criamos dificuldades e medos infundados. Estamos tão acostumados às condições de vida urbana que criamos barreiras para tudo que foge as regras. Muitas vezes as barreiras nem existem, são apenas miragens e não temos nem a boa vontade de apagá-las da memória.

Nelson Mattos Filho
Velejador

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