domingo, 12 de julho de 2009

AS SENHORAS DO CAMPINHO





Mal o dia amanhece e lá estão elas a bordo da canoa de tronco, com seus belos chapéus. Aurora com um belo chapelão de palha e Onília com sua toquinha de crochê amarelo. A idade avançada não é empecilho a labuta. O peixe para a moqueca diária é sagrado, mas se não morrer nenhum, uns siris serão bem vindos à velha panela sobre o velho fogão a lenha.
O sorriso é marca registrada no rosto daquelas felizes moradoras da Ilha do Campinho.
Onília com sua elegância clássica de moça donzela, apesar de um suposto namoro, que ela não confirma nem desmente, com o aviador e escritor Saint-Exupéry, é a senhora do rio. Qualquer barco que se aproxime da ancoragem, é acompanhado atentamente, apesar de certa descrição de quem não quer nada.
Aurora, riso fácil, alegre por natureza, moquequeira apimentada e inveterada, bom papo e observadora super atenta, apesar de ver apenas por um olho e mesmo assim com dificuldade. Da conta até dos lobisomens que de vez em quando teimam em aparecer por aquelas bandas. Ela jura que já viu.
O sol começa a aquecer a bela paisagem que cerca a Baía de Camamú, é elas já fazem o caminho de casa. A canoa fica descansando preguiçosa na beira do rio. Pelas algas que jazem espalhadas na areia, pode-se ter idéia da produção. Nunca deixa de vir algum peixinho na rede. O rio é sempre generoso para com as duas rainhas daquele reino encantado.
Se tiver algum veleiro na ancoragem, têm-se a certeza de companhia para a moqueca super apimentada e nadando no mais puro dendê da Bahia. Velejador que vai a Camamú e não conhece, nem experimentou a moqueca da Aurora ou as deliciosas cervejas geladas de sua pequena, porém decente, vendinha, ou errou a rota ou não é velejador.
A vida na Ilha de Campinho é mansa como os passos lentos daquelas duas senhoras. Fazer parte do grupo de amigos que as cercam é ter a certeza da mais pura é fraternal lealdade.
É incrível como a tranquilidade do alpendre de trás da casa de Aurora, debruçado sob a sombra de uma frondosa mangueira, contagia a gente. Passo horas naquele pedacinho escondido do mundo e não sinto falta de mais nada. O silêncio, quebrado pelo som do arrocha e forró que fazem a trilha sonora daquele lugar, é coisa de um mundo bom e sem mistério. Não sou fã do gênero, mas naquele paraíso, tudo é bom.
“Pé de fumaça, você hoje não foi me visitar!” Chega Onília, com a voz arrastada e caminhando lentamente sobre a folhagem que cobre o caminho. Pé de fumaça é todo aquele que ela elege como mais uma conquista de seu coração. Diante de seus oitenta e tantos anos, a vida já lhe mostrou que o mundo é dela e nada nem ninguém tem o direito de discordar. A amizade e o carinho que ela dedica a mim e a Lucia é a certeza que fazemos parte daquele coração de menina.
Ninguém teve a felicidade de aprender os segredos da moqueca de fruta-pão de Onília a não ser Lucia. Aurora apostava que ela não ensinaria, mas teve que se render aos caprichos dos deuses da amizade e aos mistérios da vida, depois que provou a deliciosa e encantada moqueca de fruta-pão feita por Lucia, sob os olhares e segredos desvendados da Onília. Nada como uma boa causa em prol da amizade.
Não sei dizer como foi o inicio dessa nossa amizade com as duas belas negras senhoras do Campinho, nem como conquistamos o carinho, o respeito, a atenção e a reciprocidade desse relacionamento sincero, mas de uma coisa tenho certeza, tudo foi fruto da mais pura espontaneidade.
Faz tempo que não vemos nossas velhas amigas, conselheiras, confidentes e fonte de nosso amor por Camamú e seus encantos, mas todo dia peço a Deus que proteja e abençoe aquelas fantásticas senhoras, que só nos deu carinho durante os melhores dias de nossa vida a bordo do Avoante.
Viver aqueles dias na Baía de Camamú, cercado pelos carinhos e paparicos daquelas amigas sinceras e excepcionais, foi o melhor momento desse nosso sonho de uma vida de paz, amor, amizade e tranquilidade que a vela tornou realidade.
Que os bons ventos nos leve de volta a magia da Baía de Camamú e a companhia daquelas velhas amigas.

Nelson Mattos Filho
Velejador
* Artigo publicado no jornal Tribuna do Norte, na coluna Diário do Avoante, hoje dia 12/07/2009

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