segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O PARAÍSO FICOU PARA TRÁS

Todas as previsões diziam que teríamos vento na casa dos 18 nós e mar com agitação moderada, coisa que para vir de Noronha para Natal não era bicho de sete cabeças, já tínhamos pegado coisa pior.
O Sábado amanheceu bonito e com muito movimento na área de fundeio. No Avoante a cozinha funcionava a todo vapor, era Lucia preparando o café da manhã e também adiantando o almoço e alguns quitutes para o resto do dia.
A largada da regata para Natal é muito cedo, todo ano é um corre corre com parte das tripulações que dormem em terra chegando a bordo. O movimento de botes de apoio e de preparação de barcos cria um clima misto de euforia e ansiedade. O tempo é muito curto, a largada é nove horas, horário da ilha, uma hora a mais em relação à Natal.
Tivemos um remanejamento de tripulantes, desembarcou o amigo Hélio Milito, que embarcou no catamarã alagoano Vetinho e embarcou o amigo Francisco Vasconcelos. Ficamos tristes, não pela troca, mas pelo desembarque do Hélio que é um amigo e parceiro fantástico. O Avoante comporta sete tripulantes, mas para uma viagem de 200 milhas náuticas fica muito desconfortável. Mesmo assim eu somente aceitei o desembarque por conhecer a competência e profissionalismos dos irmãos Roberto e Plínio Buenos Ayres, dois grandes velejadores e comandantes do Vetinho e ainda o amigo Flávio Alcides que fazia parte da tripulação. Sabia que Hélio estaria em segurança, além de ter a oportunidade de navegar em um multicasco numa travessia oceânica.
Tripulação completa, âncora em cima, velas ao vento, fomos saindo da área de fundeio e se dirigindo para a linha de largada. Dezessete barcos na raia e muitos olhares para as belas paisagens que daqui a pouco iriam fazer parte das lembranças de cada um.
Golfinhos rotadores serviam de batedores para os barcos que bailavam no mar em busca da melhor colocação na largada. Muitas fotos, palmas e risos para os bichinhos que faziam suas alegres acrobacias.
Um olho no vento, outro nas velas, mais uma olhada no mar e mais uma nos concorrentes. Mas nem sempre tudo está certo e numa olhada mais apurada, temos que descer uma vela e começar tudo de novo. Isso faz parte!
Fico no timão com meus pensamentos de cruzeirista metido a regateiro: “Prá que toda essa pressa se vamos ter 200 milhas de velejada?”; “Essa ilha é muito bonita, para que tanto stress em sair daqui?”
Vejo minha tripulação agitada em fotos, acenos e brincadeiras com outras tripulações. Nosso proeiro, Vasconcelos, parece ter voltado aos tempos de Escola Naval e não larga, um segundo, a escota da genoa. Fico feliz pela união da tripulação e ainda tenho tempo de ver o Vetinho ao nosso lado, com o amigo Milito acenando de alegria. Muito bom!
No meio do meu devaneio, escuto a buzina de largada e o Avoante acelera no rumo do continente. A bordo seis tripulantes, seis saudades, seis sentimentos de prazer, ansiedade e preocupação. A Ilha vai ficando para trás e o mar vai começando a cobrar o seu pedágio em leves parcelas de ondas.
Na subida de uma onda, nosso novo tripulante, Francisco Vasconcelos, homem do mar, apaixonado pelo mar e guardião dos Portos do Rio Grande do Norte, aperta minha mão é faz uma confidência: “Comandante, você esta realizando um sonho desse marinheiro” No meu intimo fico feliz, mas vejo subir meu grau de responsabilidade com essa tripulação que me confia suas vidas e seus sonhos. Uma responsabilidade que nunca me deixou quando assumo o comando do belo, bom e seguro Avoante e sua alma de paz e marinheira.
Mais um dia que se vai com um belíssimo pôr-do-sol no meio do oceano, uma visão mágica e que mostra toda a força da natureza. Um festival de cores no horizonte, mas com predomínio do vermelho. Uma lembrança de Dona Aurora, nossa amiga de Camamú, soa em minha mente: “Nelson, céu vermelho é sinal de mudança do tempo”
Passo o timão para um novo comandante e vou descansar com meus pensamentos. Na descida para a cabine vejo que as velas do Avoante não estão bem e nosso rendimento cai.
Estamos no rumo de Natal! Adormeço.

Nelson Mattos Filho
Velejador

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