domingo, 29 de novembro de 2009

DEVANEIOS DE UMA VELEJADA

O farol pisca na noite escura e o barco segue navegando como uma frágil casquinha de ovo no tapete de mar que se estende ao longe. Um rastro de fosforescência transmite uma visão mágica de vidas imperceptíveis aos olhos humanos. O farol pisca novamente e uma nova claridade começa a delinear o horizonte, com raios tímidos de uma lua que emerge das profundezas do oceano.
Nunca estamos sozinhos no mar. Toda luz que brilha ao longe é a certeza que uma vida nos espreita em nosso manso navegar. Brilho de vida, brilho de energia, brilho de um farol que teima em mostrar que a terra esta ali. Brilho de um barquinho pescador que dorme a espera do peixe.
É gostoso estar num barco que navega a muitas milhas da costa, recebendo apenas acenos de faróis e vendo ao longe as luzes de uma cidade que parece adormecida.
Fico pensando no que se passa na sombra daquelas luzes de mercúrio que delineiam cidades, que parecem adormecidas e embebidas de uma aparente paz.
Como seria bom se as cidades tivessem a paz e a tranquilidade vista do mar. Adoro ver as cidades quando estou no mar. Não consigo enxergar suas mazelas sociais, apenas vejo beleza no balanço suave de suas árvores e na beleza de suas arquiteturas e montanhas.
Cidades que na maioria das vezes estão sendo viradas pelo avesso, diante da miséria e podridão de poderes ocultos, que desafiam a ordem e denigrem as sociedades. Do mar a visão é outra. Do mar tudo transpira paz, saúde, amor e felicidade.
Mais um lampejo do farol e mais uma marcação de rumo naquela estrada de água, ondas e espumas, sobre o brilho esverdeado de plânctons que se ilumina para festejar nossa passagem.
A lua que brotou molhada das profundezas do oceano, agora faz o seu navegar prateado e suave num céu negro de estrelas brilhantes, Estrelas que, assim como os faróis, se transformam em fieis marcações de nossos rumos. Ao meu lado, Lucia comenta que não consegue mais ver São Jorge e seu cavalo naquela lua que mais parece um farol no céu negro. No meu intimo fico pensando: Se ela que tem a felicidade de ter esses momentos de paz e harmonia com a natureza não consegue, o que dirá das pessoas que vivem os tormentos e desencantos urbanos? Porque será que o mundo está tão cético? O que será das crianças que ainda não virão à lua e as estrelas, mas que já conhecem o fogo vivo da drogas?
Inebriado pela lua de São Jorge, vejo um satélite cruzar o céu em sua rota de vigilância. O que procura aquele satélite em seu vôo de silêncio? Será que ele esta a serviço da paz ou engajado em alguma guerra malcriada? Que mundo é esse, que até um silencioso satélite cruzando o céu gera desconfiança a um errante velejador? Um olhar mais apurado e agora são centenas de satélites riscando o céu, num balé de retas cruzadas. Porque não consigo observar o céu das cidades? Será que as cidades não têm céu? Mas, o satélite consegue ver as cidades lá do alto.
Acho que o mundo precisa navegar mais! O mundo já foi mais mundo no tempo das grandes navegações. Hoje o mundo é apenas um mundinho na tela de um computador ou num visor de um GPS. Acabou a beleza das grandes descobertas, ficou a apenas a certeza do encontro óbvio. Restaram para serem descobertas apenas às estrelas e seus mistérios brilhantes e por elas o homem ainda navega. Novamente olho o céu, escolho uma estrela e sigo em seu rumo.
O que posso dizer daquele farol que insiste em emitir seus fachos de luz? Será que ainda existe o vigilante faroleiro a me observar ao longe? O barco segue o seu rumo é minha mente vagueia entre ondas, estrelas, céu, lua, plânctons e sonhos. Será que ainda faz sentido o farol e seu faroleiro num mundo cercado de satélites, computadores e GPS? Acho que sim! Aquele farol representa o acerto de todas minhas marcações náuticas. Conheço suas cores, sei os segundos de seus lampejos e sei sua localização. Por mais modernidade que tenha o mundo, no mar as coisas ainda são primitivas.
Como é bom o mar!

Nelson Mattos Filho
Velejador

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