domingo, 25 de outubro de 2009

VIDA A BORDO

* Artigo publicado neste Domingo no jornal Tribuna do Norte, coluna Diário do Avoante.

Brindo os leitores do Diário do Avoante com mais um artigo de um dos nossos tripulantes na REFENO 2009. Dessa vez a amiga, velejadora e apaixonada pelo mar Marta Machado, que com muita maestria nas letras nos leva a navegar pela magia azul do Oceano Atlântico em busca das belezas de uma Ilha de sonhos e encantos.
Nelson Mattos Filho
Velejador
avoante@ig.com.br


MARINHEIRA DE PRIMEIRA VIAGEM
por Marta Franco Machado

O mar fascina e inspira paixões, medos e sonhos. Amante do mar, na água eu me sinto totalmente à vontade e reencontro comigo mesma. Navegando a vida me parece mais simples, a natureza dita às regras, os problemas voltam a ter a sua verdadeira importância e o estresse a ter seu papel saudável de preparo para os desafios. Frequentadora assídua do Iate Clube do Natal, acompanho histórias e estórias de diversos tipos de navegadores. Marinheiros de final de semana, pescadores inveterados, velejadores por esporte e também de gente que fez do barco sua casa e do mar seu quintal. Os últimos geralmente passam por Natal seguindo para o norte rumo ao Caribe e despertam muita curiosidade. Como é viver em um barco? Qual a rotina diária? Quais os prazeres e problemas dessa gente que decide levar uma vida fora do comum de família, casa, carro e trabalho? Visando responder a estas perguntas embarquei no veleiro Avoante para participar das regatas Recife - Fernando de Noronha e Fernando de Noronha - Natal. Doze dias morando no “barco casa” dos amigos Nelson e Lucia e aproximadamente 900 km de mar aberto.
Éramos seis pessoas em um espaço pequeno sabendo que o bem estar a bordo dependeria de nosso desempenho como grupo. Os anfitriões se desdobraram em deixar todos à vontade e facilitar nossa adaptação. E assim o clima que se estabeleceu foi o melhor possível, e a intimidade, mesmo que determinada pelo confinamento, foi natural e o trabalho de equipe fluiu espontaneamente. Ainda em Recife aprendemos a pensar no coletivo e na segurança sempre em primeiro lugar, a dormir embalados pelas ondas, a economizar água e energia e a importância da organização e do aproveitamento do espaço.
Logo após a empolgação da largada o primeiro imprevisto, barco costuma aprontar dessas coisas com a gente, faz parte do programa. Retornamos ao porto para conserto da roda do leme e partimos novamente, desta vez tendo somente a lua como platéia. Depois, muitas horas sem avistar nada a não ser o oceano azul. Nenhum contato pelo rádio com outras embarcações, somente seis amigos, o céu e o mar. O sol nasceu e se pôs algumas vezes, as estrelas iluminaram nossa passagem e a chuva ocasionalmente adoçou nossa jornada. Aves marinhas, peixes voadores, golfinhos e até uma eventual tartaruga pelo caminho. Longas conversas a luz da lua tendo como trilha sonora o barulho da água sob o casco do barco. Cochilos em qualquer cantinho livre, com absoluta confiança no companheiro que fazia turno no leme e velava pelos outros. O enjôo, já antigo conhecido, se fez presente, mas não abateu o moral da tripulação. Banho, só de balde e com água salgada. Revezamento no comando do barco dia e noite, com direito a pequenas bobagens por parte da tripulação, vistas com benevolência pelo comandante. Houve momentos de trabalho duro, em que a vontade teve que vencer o cansaço, a náusea ou a indisposição provocada pela medicação contra o enjôo. E outros de pura descontração, em que voltamos a ser crianças vivendo uma grande aventura.
No terceiro dia veio à ansiedade de ver a ilha surgir no horizonte e pisar novamente em terra firme, desejo que teve que ser adiado pelo mau tempo na última noite (uma emoção a mais no final). Na madrugada, com todos exaustos, jogamos a âncora em frente ao porto e assistimos ao nascer do sol em Fernando de Noronha como um prêmio pelo dever cumprido. Em terra reencontramos vários amigos, demos muitas risadas, escutamos inúmeras estórias (algumas bem difíceis de acreditar) e aumentamos as nossas apenas um pouquinho. O desconforto que houve foi esquecido rapidamente, com certeza guardamos somente as boas lembranças. Além do grande aprendizado, ficou de herança da viagem uma amizade ainda maior entre seis pessoas que aprenderam a lidar com seus limites e diferenças.
Eu diria que o mar vicia, provoca uma tremenda ressaca e muitas vezes a conhecida promessa de que aquela foi à última vez, mas somente o tempo necessário para no dia seguinte já fazer pensar na próxima dose...
Bons ventos amigos, nas velejadas e na vida!

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