terça-feira, 6 de outubro de 2009

REFENO 2009 - UMA REGATA II

Quando consegui terminar o conserto da roda de leme do Avoante, a qual foi quebrada quando disputávamos freneticamente a largada da regata, já passavam das 20 horas. A essa altura, a flotilha já estava com mais de quatro horas de velejada. Apesar do vento fraco que soprava no momento, era muito tempo para podermos recuperar o prejuízo.
O Marco Zero que às 3 horas da tarde fervia de alegria com a multidão que tinha ido prestigiar a largada, às 20 horas era um verdadeiro mar de tranquilidade. Nossa partida foi acompanhada apenas por alguns casais de namorados que assistiam nossa navegada pelo longo canal do porto. A noite era muito bonita!
Fiz questão de montar a bóia norte, marco obrigatório de percurso da regata. Isso nós custou mais de hora de velejada, mas me deixou com a consciência tranquila durante todo o percurso. Eu entendo que ética não se tem apenas quando diante dos outros. Se eu estava naquela regata, mesmo que a partir daquela hora sem nenhuma condição de pontuação e sujeito até a desclassificação, mesmo assim, pelo menos o percurso completo eu teria que cumprir. E cumpri!
O Avoante desenvolvia míseros 2 nós de velocidade, às vezes até menos. Nas primeiras 24 horas de velejada conseguimos, a muito custo, avançar apenas 50 milhas. O clima a bordo era de interrogação. O dia amanheceu e ainda estávamos vendo o Farol de Olinda, que insistia em piscar para a gente. Eta farolzinho insistente!
Parei de contar a partir do décimo bordo que demos para conseguir avançar, mas acho que passaram dos 50. Nunca em todos esses anos que participamos da REFENO, passei por um momento desses. É realmente desolador, saber que temos 300 milhas pela frente e o barco parado no mar a espera de um vento que nem sabemos a que horas vai dar as caras. Por sorte, ninguém a bordo apresentou nenhum problema de enjôo.
Apesar do desconforto com o tempo de percurso, o clima a bordo era muito bom e com muito bom humor. Fernando com suas descontraídas cervejinhas geladas e sua incrível tranquilidade. Marta se mostrando uma excelente timoneira e grande companheira. Simarone, que apesar do medo inicial de enjoar, se mostrou um grande comandante e grande devorador dos quitutes de bordo. Hélio Milito com sua elegância e seu inseparável tubo de hipoglos foi o grande responsável pela alegria a bordo, com suas tiradas engraçadas. Lucia, minha imediata e meu norte verdadeiro, que livre das antigas crises de enjôos botou a cozinha de bordo a pleno vapor.
A partir do segundo dia de mar, a coisa começou a tomar rumo novamente. O ventilador do vento começou a funcionar normalmente e com isso conseguimos fazer uma previsão mais otimista de chegada a Noronha. O Avoante voltou a render bem e atingimos a marca de 140 milhas em 24 horas. Muito bom! A Ilha estava mais próxima, mas ainda tinha muito mar pela frente.
Como disse Fernando, era uma velejada de filme americano. Vento bom, mar tranquilo e muito bom humor a bordo.
Depois de 70 horas de velejada começamos a avistar a Ilha de Fernando de Noronha. Faltavam apenas 25 milhas para chegar aquele paraíso de águas cristalina e apinhado de belezas naturais. O sol começava a se esconder no horizonte e a noite já apresentava suas formas. Tudo vinha tão bem a bordo que relaxados diante da premente chegada, nem percebemos que a nossa frente nuvens escuras e ameaçadoras começava a encobrir a silhueta da ilha. Um chamado de alerta do barco Mary Mary, que seguia a nossa frente, nos despertou daquele sonho tranquilo. –“Avoante, Avoante, copia Mary Mary...”
O primeiro Pirajá nos pegou muito de leve, mas os outros que se seguiram vieram em cima de nós. Não eram muito fortes, mas o bastante para modificar toda a nossa previsão de uma tranquila chegada a Noronha.
O rizo desapareceu do rosto da tripulação. O mais rápido possível assumi o posto de comando e senti que coração o Avoante pulsava tranquilo.
Barco tem alma! A alma do Avoante é de muita paz e segurança.

Nelson Mattos Filho
Velejador

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