quarta-feira, 14 de outubro de 2009

REFENO 2009 - A CHEGADA


Avistar terra é uma coisa, chegar é outra bem diferente. No mar, dependendo da altura do ponto ou da visibilidade na hora da observação, se consegue avistar terra a pouco mais de 20 milhas de distância. Isso transformado em metros corresponde a pouco mais de 37 quilômetros. Estou me referindo a quem navega em um pequeno veleiro a menos de 2 metros de altura da linha d’água.
Nossa chegada em Fernando de Noronha, este ano, foi realmente cheia de emoções. Para começar tivemos a providencial assistência, via rádio VHF, do comandante Fernandes, veleiro Mary Mary, que sofrendo com a força de um furioso vendaval, manteve o espírito de ajuda que reina em volta de todo velejador e correu ao rádio para tentar avisar os barcos que estavam a sua retaguarda.
O comandante Fernandes manteve-se, durante as longas horas que se passaram até nossa ancoragem, em permanente estado de alerta e servindo de ponte para os contatos com o radioamador André Sampaio, que fazia o apoio em terra aos veleiros participantes da regata.
Comandante Fernandes, a tripulação do Avoante nunca poderá deixar de prestar-lhes homenagens. Sempre seremos gratos pelo seu apoio. Muito obrigado e que Deus sempre lhe ilumine.
O vendaval que na verdade era um Pirajá de força mediana, mudou todo o cenário de nossa chegada. O vento rondou em várias direções e o mar que até aquele momento estava tranquilo, passou a ter agitação moderada. Às 18 horas estávamos a 20 milhas da Ilha e com previsão de chegada às 21 horas. Mas, no mar as coisas não seguem uma lógica tão perfeita assim. Também às 18 horas da terça-feira, a comissão de regata anunciou o encerramento da regata. Isso determinava que todos os barcos que chegassem a partir daquele momento estavam sumariamente desclassificados. Dessa vez nem o Tartaruga!
O Avoante que vinha navegando com velocidade de 6 nós, de repente começou a se arrastar a 2 nós, com o vento na cara e com uma correnteza lateral que empurrava o barco para fora da Ilha. Nessas horas, todas as previsões passam para segundo plano e entra em cena a luta do vamos chegar, não importa a hora.
O vento castigava nossas velas e as ondas começavam a estourar no costado. A Ponta da Sapata que no GPS aparecia a poucas milhas de distância, no visual era difícil ser identificada.
O cansaço começava a tomar conta da tripulação que em silêncio acompanhava com atenção as informações vindas do Mary Mary. Tudo era motivo para um diálogo pelo rádio e através dele eu sentia que aquelas poucas milhas se transformaria em longas poucas milhas.
Ao cruzar a Sapata, depois de um bordo negativo, passei o timão para Simarone e fui descansar um pouco. Sabia que precisaria de forças para as ultimas milhas. Não sei o quanto dormi, mas quando acordei, estávamos muito afastado da Ilha e passando no través da linha de chegada. Já passavam de 2 horas da madrugada.
Demos um bordo e aproamos a bóia de chegada. A essa hora da madrugada e já desclassificados, para que fazer aquela bóia? Assim como fizemos a bóia de largada, tínhamos que fazer também aquela. A tripulação estava firme no propósito de cumprir todo o percurso e a linha de chegada era o nosso compromisso final. Não interessava se era 3 horas de uma madrugada fria e com vento castigando na casa dos 18 nós.
Cruzamos a linha depois de 83 horas, recebendo as boas vindas do radioamador André Sampaio, que riu quando Lucia anunciou nossa passagem solitária, porém determinada.
A partir daquele momento tínhamos mais um problema: a ancoragem. Nosso motor apresentou problema e sem poder funcionar, tínhamos que ancorar apenas na vela.
Em plena madrugada. Noite sem lua. Na escuridão daquele porto oceânico. Com vários barcos espalhados por todos os lados. Dando bordos precisos para poder avançar. Olhos atentos a tudo. Assim fomos chegando vagarosamente ao local de ancoragem.
Jogamos nossa âncora às 4 horas de um dia que começava a raiar. Lucia preparou uma deliciosa macarronada e sem brindes demos por encerrada nossa participação na REFENO 2009.
Não sei para os outros, mas para mim, Lucia e nosso bom Avoante, chegar a Ilha em paz e com saúde é o nosso maior prêmio.

Nelson Mattos Filho
Velejador

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