domingo, 18 de outubro de 2009

OS MORTOS, OS VIVOS E OS QUE VELEJAM PELOS MARES

Essa semana o Diário do Avoante abre espaço para o amigo e velejador Hélio Milito, nosso tripulante durante a regata Recife/Fernando de Noronha – REFENO 2009, que faz um relato da sua experiência a bordo do nosso Avoante durante às 300 milhas dessa bela travessia.
Fiz um pedido aos nossos quatro tripulantes, para que eles fizessem um relato, com as impressões de cada um, sobre essa velejada que é um marco para todo velejador brasileiro.
Hélio, com seu impressionante bom humor e seu incrível espírito solidário, foi o primeiro a aceitar o desafio e a apresentar seu artigo.
Os leitores desse Diário do Avoante, com certeza, terão uma visão muito privilegiada dessa que é a maior e mais importante competição a vela brasileira, pela ótica de um velejador de primeira viagem oceânica.
O titulo desse artigo, já é uma mostra da importância dessa travessia na vida de todo velejador.
Agradeço ao Hélio Milito, em nome dos leitores dessa coluna, o carinho com que escreveu seu relato.
“Certo dia conversando com um amigo no Iate Clube do Natal, Myltson, este me saiu com esta frase: “No mundo existem três tipos de pessoas: Os Mortos, os Vivos e os que velejam pelos Mares”. Na hora esbocei um sorriso pela comparação, mas como sempre fui velejador de águas abrigadas, lagoas, rios e represas, não entendi o real significado da frase.
Pois bem, no dia 18 de Setembro, quando comemoro meu aniversário, estava eu a caminho de Recife para participar da REFENO (Regata Recife - Fernando de Noronha) e pensei que era o presente para nenhum velejador botar defeito.
Relatar essa viagem a bordo do veleiro AVOANTE, dos amigos Nelson e Lúcia, e com os amigos Simarone, Fernando e Marta é uma das minhas metas para que estes momentos não se percam nos rumos do tempo.
Momentos de extrema convivência entre seis pessoas dentro de um pequeno espaço, que a partir da largada no dia 19 em frente ao Marco Zero da Cidade de Recife, passou a ser o nosso mundo. O entrosamento era perfeito, pois o CASAL AVOANTE dividiu aquele espaço, que na verdade é a sua moradia há alguns anos, com os demais tripulantes de uma forma que nós nos sentíamos membro da família.
A viagem historicamente é prevista para 50 horas, mas como no mar nada é histórico e tudo tem uma previsibilidade relativa, levamos 84 horas para chegar ao paradisíaco destino, imagine que todos os provimentos como água, comida, fadiga, saúde, sensatez, e convivência pacifica tiveram que ser equalizado dentro da nova realidade, que foi se desenhando através dos dias, mas ao contrario do que se possa imaginar, estas horas passaram muito rapidamente, dados ao grande numero de situações que tínhamos a bordo.
É exatamente nessas horas que ocorre a transformação do ser vivo no ser navegante, quando a maneira de pensar em horas transforma-se em calculo de milhas náuticas percorridas ou a percorrer. Quando a chuva deixa de ser mau tempo para ser bons ventos, água limpa e doce. Hora, também, de regular as velas para as novas condições do mar e de vento, nada mais tem relação com o cotidiano do escritório, a luta do dia a dia não é mais para ganhar o pão e sim para se chegar ao destino, nas melhores condições possíveis.
Conviver com o sono das noites mal dormidas em turnos, com o enjôo das primeiras 24 horas, com o balanço do mar fazendo o nosso labirinto imaginar estar em uma montanha russa sem trilhos, são alguns dos fatores que transforma o nosso modo de pensar em relação aos nossos desafios, as dificuldades e aos objetivos de nossa vida terrena. A saudade da família, o desejo pelas coisas simples como um bom sono, alimentação e um relaxante banho que temos em nossas vidas, cria uma expectativa cada vez maior em estar novamente em terra firme, fazendo com que superemos os desafios da navegação oceânica.
E se depois de uma boa velejada é assim que você se sente, a transformação está feita. Nessa hora você deixa de ser apenas um ser vivo e passa a ser um ser navegante.
Bem vindo ao clube dos navegadores!
Bem vindo a bordo!”
Hélio.

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