domingo, 23 de agosto de 2009

HISTÓRIAS DE BORDO

Existem várias histórias engraçadas de marinheiros de primeira viagem e muitas de tripulantes acostumados com a vida no mar, mas que sempre contribuem para o folclore da vida a bordo.
No Avoante já tivemos várias cenas hilárias que quando conversamos com colegas velejadores, vemos que a coisa é disseminada.
Numa velejada Natal/Recife, tivemos o prazer de ter a bordo nosso amigo e velejador China. China é dessas pessoas que o mundo se acaba do lado e ele não sabe nem o que se passa.
Foram 83 horas de velejada, sobre um mar virado com vento soprando na casa dos 23 nós e debaixo de muita chuva. Para piorar a situação tínhamos que dar vários bordos para vencer algumas poucas milhas.
Com todas essas intempéries, todas as tardes nosso amigo tinha um ritual que fazia a alegria do resto da tripulação. Ele descia, trocava a roupa molhada, calçava os tênis, se perfumava, pegava um pacote de biscoito recheado e vinha para o cockpit tomar mais banho de chuva.
Quando não era isso e nem era seu turno de comando, ele deitava no cockpit, debaixo de muita chuva, cruzava os braços e caia num sono tão profundo que o ronco fazia a alegria do Pedrinho, nosso tripulante mais assíduo. Dormir na chuva e com o mar virado daquele jeito, tinha que ser coisa do China.
Na REFENO 2008, recebemos a bordo nosso amigo Marcelo Flôr. Marcelo nunca havia velejado, mas resolveu que iria a Noronha com a gente. No dia da largada, ele pegou um esparadrapo de mais de palmo de diâmetro e colou no umbigo. Eu olhei para aquela arrumação é fiquei a espera da explicação, pois não estava entendo nada.
Lúcia que é não deixa por menos, olhou para o esparadrapo gigante, pregado na barriga de Marcelo, e foi logo perguntando: - “Que danado é isso homem?” “Você se feriu?” Marcelo muito sério respondeu: “Isso é uma simpatia inventada por minha mãe para prevenir enjôo” Não preciso dizer o tamanho das gargalhadas a bordo. A verdade é que não sei se por obra da simpatia ou se por força do meclim, mas para quem nunca tinha velejado, Marcelo teve apenas um ligeiro mal estar. De uma coisa eu e Manoel, outro tripulante, temos certeza: Com simpatia ou sem simpatia, Marcelo nunca mais bota os pés em um veleiro no rumo de Noronha.
O pior foi ele passeando sem camisa em Noronha, com a marca branca na pele no centro da barriga. A turma olhava, se espantava, queria perguntar, mas o difícil mesmo era esconder o riso.
Tem também aqueles que querem apenas realizar um sonho é assim embarcam cheio de entusiasmo. Esse foi o caso do nosso amigo Airton, quando embarcou no Avoante para sua primeira REFENO.
Airton não queria mais nada a não ser fazer a velejada até Noronha. Nessa viagem batemos o recorde de tripulantes a bordo, sete pessoas. Era muita gente para fazer turno de comando e justamente nessa viagem o barco estava sem piloto automático. Airton não se fez de rogado. Pegou no timão em Recife e somente não soltou em Noronha, porque eu às vezes tinha pena e pedia para ele descansar um pouco. Os outros nem tiveram o gostinho de comandar o barco por alguns segundos.
Chegando à ilha, Airton desembarcou, pegou o primeiro avião e voltou para Natal. Isso é que matar a vontade de realizar um sonho!
É sabido que enjôo é um mal que atingi quase todos que entram pela primeira vez em um barco, mas certa vez recebi a bordo a visita de meu irmão Iranilson e fiquei impressionado como o bicho agiu rápido.
O Avoante estava no píer do Iate Clube do Natal, um lugar abrigado e quase sem balanço. Iranilson chegou com um isopor cheio de cervejas estupidamente geladas. Já que não íamos velejar, ficamos batendo papo dentro do barco. Após a primeira cerveja, ele me perguntou: “Meu irmão, quantas cervejas já tomamos?” Eu respondi que tínhamos tomado apenas uma latinha. Então ele disse: “Vamos parar que eu já estou muito bêbado” Nunca mais ele pisou no Avoante.
O pior foi fazer o sacrifício de tomar, sozinho, as cervejas que ele abandonou a bordo.

Nelson Mattos Filho
Velejador
* Artigo publicado no Jornal Tribuna do Norte, coluna Diário do Avoante, domingo 23/08/2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário