domingo, 6 de dezembro de 2009

VELEJAR NÃO É ARTE, É AMOR!

Quando entrei para o mundo náutico, sem saber absolutamente nada do que me esperava, entrei pela porta de um livro de aventura de uma família brasileira que acabara de girar o mundo a bordo de um barco. Sabia apenas que o barco era um veleiro e que, pelas informações contidas no livro, era o modo mais romântico, aventureiro e barato de singrar os mares do mundo.
A partir daí comecei a montar minha vida náutica. Aprender os costumes, analisar aspirações, conhecer barcos, observar interesses, tudo para chegar à conclusão que a vela, além de um estilo de vida, e a maneira mais poética, romântica e original de navegar.
Não queria a força de um motor que me dessem coragem e ego fortalecido para desrespeitar o vento e desmerecer a força da maré e suas muitas correntes. Que me enchesse de combustível e certeza para apertar manetes em busca da velocidade inebriante e da adrenalina que um potente motor pudesse proporcionar.
Não quero com isso afrontar, nem insultar os muitos navegadores, entre eles vários bons amigos, que fazem uso de lanchas em suas andanças pelo mar. Quero apenas colaborar com o sonho náutico de pessoas que se dispõem a navegar e sem nenhum conhecimento, compram o que vêem e adquirem o que não querem. Com isso engrossam as fileiras dos desiludidos com o mundo do mar.
Navegar é antes de tudo fazer planejamento. Se na hora da compra da embarcação a pessoa pular uma etapa, com certeza o sonho náutico esta sujeito a naufragar.
Se a pessoa acha que se identifica com vela, mas os amigos estão todos do outro lado do píer montados em belíssimas lanchas, ele tem noventa e nove por cento de chances de ser mais um dono de barco arrependido. Se for ao contrário, essas chances caem para cinqüenta por cento. Isso porque encontrar velejadores para passear de lancha é muito fácil, o difícil é conseguir três lancheiros para velejar e cumprir todos os rituais que uma boa velejada requer. No mínimo você vai ouvir quatro vezes que velejar é coisa de masoquista, isso porque nenhum deles vai ter paciência de preparar cabos, conferir moitões, levantar velas, caçar e soltar adriças e retranca, baixar velas, recolher cabos, prender adriças, além de ter que ficar sempre de olho no vento, correnteza de maré e navegando de lado com o barco adernado de boreste ou de bombordo.
Desde que entrei no mundo da vela, acompanho discussões acaloradas entre velejadores e lancheiros. Para mim são opostos que dificilmente se unem, mas que tem no mar o fascinante mundo inspirador. Não precisava ser assim, mas sempre vai ser.
Para velejar é preciso ter a vela no sangue, para entender como é ficar cinco horas numa velejada de apenas 5 milhas ou 84 horas numa travessia de 300 milhas. É preciso amor pela vela, para poder retirar do mar a poesia diante de um forte contra vento ou de um mar encrespado e mal humorado. Velejar é apreciar o sopro do vento nas velas e o deslizar quase silencioso do casco na água. O manso navegar do veleiro é a energia que carrega a alma do velejador. Chegar ao destino ao sabor dos ventos, independente do tempo gasto, é um prazer que não existe descrição. Velejar é não ter hora marcada com o mundo nem com ninguém, o vento e o mar ditam as normas e a natureza é a senhora das leis.
Uma vez escutei uma frase que dizia: Velejar é quebrar parâmetros. Tornei-me velejador e hoje esta frase faz parte de minha vida. Foram muitos tabus jogados ao mar, muitos conceitos atirados ao vento, muitas crenças abandonadas nas pedras dos portos, muitas certezas atiradas contra ondas e correntezas, muitas regras sem rumos e a incrível liberdade de amarras soltas de um mundo urbano cada vez mais sem chão.
Se a pessoa não vier para o mundo da vela com o espírito livre para aceitar as regrar de uma natureza agredida, mas que ainda mantém acesa a chama da vida e a força da regeneração. Se não subir a bordo desconectado de compromissos inadiáveis, criados nas profundezas de uma mente viciada em stress. Desembarque!
Um veleiro precisa de um homem livre e em paz consigo mesmo!

Nelson Mattos Filho
Velejador
* Artigo publicado no Jornal Tribuna do Norte, coluna DIÁRIO DO AVOANTE. A coluna é publicada aos Domingos.

2 comentários:

  1. Rapaz a cada dia tu ta melhor nesse negocio de escrever.
    Te cuida academia brasileira de letras.

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  2. Grande Antonio, muito obrigado pela força.

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