quarta-feira, 9 de setembro de 2009

VIDA A BORDO 15

Estávamos nos preparando para deixar a Baia de Camamú/BA. Depois de 40 dias nesse paraíso, tínhamos de seguir viagem. Os ventos já não davam muitas condições de seguir para o Sul. Os últimos dias tinham sido de muita chuva e muito vento sul, sudoeste e sudeste, com rajadas de até 30 nós, que deixavam as águas tranqüilas de Campinho com moderada agitação.
O vento era tão forte que o barco não obedecia à corrente da maré, ficando muitas vezes atravessado entre a força do vento e força da corrente.
Resolvemos sair depois do final de semana, na segunda-feira. No domingo estávamos na casa de Dona Aurora, quando por volta do meio dia chega Dona Onilia e diz: “Nelson, vá olhar o Avoante, acho que ele esta um pouco distante”. Corri para a praia, o Avoante estava no meio do canal, a mais de meio milha de distância.
O susto foi grande! Corri e gritei: “Lucia, vamos correr que o barco se soltou”.
Entramos no inflável e para nosso desespero o motor não queria pegar. Remar com aquela distância e naquele vento era uma missão quase impossível. Fui tentando remar enquanto Lucia verificava o que estava havendo com o motor. Nesse meio tempo senti meus pés molhados. Na correria eu tinha esquecido de fechar a válvula no fundo do inflável e por ali entrava muita água. Enquanto eu remava Lucia tentava fazer o motor pegar e também retirava água com um caneco. O motor pegou depois de várias tentativas.
Com o motor funcionando e a válvula do inflável fechada, as coisas voltaram a “quase” normalidade.
Ao alcançarmos o Avoante, detectamos o problema, já que a âncora vinha sendo arrastada. A corrente da âncora tinha dado várias voltas na haste, puxou-a para cima e largando do fundo.
Com o vento muito forte e a corrente da maré também, o barco ficava rodando em cima da âncora, criando toda essa confusão.
Ao recolher a âncora e assumir o controle do barco, foi à vez da roda de leme dar problema. Partiu a corrente que faz girar. Colocamos a cana de leme de fortuna (reserva), e voltamos para a ancoragem.
Recuperados do susto e novamente ancorados, passamos a tarde consertando a roda de leme, terminando já à noitinha. Fomos dormir exaustos.
Na segunda-feira, quando tentamos levantar a âncora para ir embora, aconteceu o lado misterioso. A âncora não subia de jeito nenhum, tinha ficado presa em alguma coisa. Mergulhei para verificar e a vi presa a um cabo super grosso. Após duas horas consegui liberá-la.
O cabo estava próximo à antiga ancoragem, e no dia anterior a âncora conseguiu arrastar passando por ele sem dificuldade. Não consegui ver de onde vinha o cabo.
Dona Aurora que não saiu da praia enquanto estávamos na faina com âncora, falou: “Isso e para vocês não irem embora, vão fazer muita falta para a gente”.
Realmente deixar a Ilha de Campinho com toda a acolhida que temos por lá é muito difícil. As pessoas nós tratam muito bem e com muito carinho.
O Vento era sul, como iríamos para Salvador, era o vento ideal. Saímos às 13h30min, com o barco navegando a 6 nós de velocidade, apesar de ter colocado velas menores.
Entramos em mar aberto sem que o Avoante diminuísse o ritmo, a menor velocidade foi 5 nós, fizemos os cálculos e vimos que chegaríamos em Salvador à meia noite.
Ao passarmos no través das plataformas em frente a Morro de São Paulo, fomos chamados no rádio por um navio de pesquisa que trabalhava na área, ele estava arrastando sensores em cabos de 6 quilômetros de extensão.
Fomos obrigados a mudar o rumo para boreste e nos afastarmos por 5 milhas, para livrar a parafernália. Nossa chegada a Salvador foi alterada em uma hora.
Entramos na Barra de Salvador, coladinhos a dois navios que se dirigiam ao porto, após 12 horas de uma velejada muito boa e super tranqüila. Fazendo com que nosso barco “fujão” se redimisse, nos fazendo esquecer o drama do dia anterior.

Nelson Mattos Filho
Velejador
* Artigo publicado em 2006 no jornal TRIBUNA DO NORTE, coluna DIÁRIO DO AVOANTE. A coluna é publicada todos os domingos.

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